Vaidade


Autor:
Médium: Chico Xavier
Espírito: Antero de Quental

Data: 01/05/2000

Fonte: Cartas do Coração


Quando cheguei, sem luz, ao fim do dia
E penetrei, gemendo, a noite escura,
Encontrei, quase ao pé da sepultura,
Triste bruxa de máscara sombria.-“Que fazes, desditosa e negra harpia?”
- Indaguei a tremer, de alma insegura.
E respondeu a estranha criatura:
-“Teço a angústia e pavor na cova fria...”-“E quem és? “- insisti. Mas, nesse instante,
A megera agarrou-me, cambaleante,
E bradou: -“Ai dos míseros que venço!Sou a vaidade humana desvairada...”
E, desferindo horrenda gargalhada,
Rolou comigo ao precipício imenso.

R O U P A    S U J A

 

Terminara, finalmente, o insigne poeta o seu árduo trabalho; grandioso poema sobre as maravilhas de Deus na ordem dos cosmos.
       E agora, uma roda de amigos e admiradores, declamava o mais belo capítulo da obra-prima do seu engenho.
       Foi um assombro! . . .
       De tamanha beleza eram as idéias, tão profundos os conceitos, tão cintilantes as frases, tão suaves as cadências dos períodos, que os ouvintes se quedavam como que estáticos de enlevo. . .
       E quando o poeta, no auge do entusiasmo perorava a mais grandiosa página do estupendo poema,  ouviu-se bater à porta da sala.
       Mais se avolumou a voz do inspirado brado, mais vibrante se tornou o seu estro, para abafar o ruído do inoportuno visitante.
       Persistem, porém, na porta, os golpes indiscretos.
       Interrompe então o cantor das grandezas de Deus a faiscante cadeia de idéias e, contrariado, com arranco violento, abre a porta.
       “Por obséquio, Srº doutor, a sua roupa suja. . . .”
       _- diz uma vozinha tímida, coando dos lábios pálidos duma menina magríssima.
       Venha amanhã ! . . .
       “Mas . . . a mamãe fica sem serviço . . . e sem pão . . .”
       Somos tão pobres . . .
       Por favor, srº doutor, a sua roupa suja . . .”
       “Não posso já disse ! . . .
       Com estrondo infernal se fecha a porta na cara da menina pálida.
       E, tornando a subir ao estrado, retorna o trovador, o fio do poema.
       Por entre tempestades de aplausos termina a declamação da grande apoteose que elaborou pela maior glória de Deus.
       Felicitações, abraços, sorrisos, elogios, luminosas perspectivas . . .
       Altas horas da noite. . .
       Surge do seio das trevas o rosto pálido duma menina paupérrima . . .
       Corre pelo quarto olhares sonâmbulos . . .
       Apanha da mesa os originais do poema
       - folha por folha, e rasga-as em mil pedaços . . .
       E jogando-as ao cesto de papeis, murmura:
       “Roupa suja”.  E desaparece . . .
       O poeta acorda . . . os originais estão lá, intactos . . .
       E põe se a pensar, a pensar, a pensar . . .
       É verdade que escrevi este poema pela maior glória de Deus ? . . .
       Por que não entreguei à pobrezinha a minha roupa suja ? . . .
       Por que preferi à caridade a minha vaidade ? . . .
       Levantou-se  e resolveu, logo de manhã, entregar à filha da lavadeira a roupa suja que pedira – e lavou com as lágrimas do arrependimento a “roupa suja” que tinha dentro da alma . . .
       E o  seu coração cantou em silêncio o mais lindo poema da humanidade . . .
       O poema divino do Nazareno . . .
       De Alma para Alma . . .
                                                        Desconheço o Autor.